Sentei-me à beira mar.
De olhos postos na brisa amena, deixei a maresia dançar ao sabor do meu pensar, tomando a forma da minha presença.
Impregnei-me daquela dança durante tantas ondas quantas sempre me pareceram existir.
Deixei-me ficar, como se nada me pudesse mover daquele lugar. Pressenti que era ali que devia estar, naquele tempo e naquele lugar.
Reparo depois numa onda de espuma fluorescente, espraiou-se ao meu redor e disse:
-Venho aqui buscar essa parte de mim, esse bocado de mar que guardas no canto dos teus olhos, esse oceano que vem de dentro de ti.
Olhei para ela e reconheci aquela presença de há muitas marés, tantas quantas sempre pensei existir. A voz era meiga, macia como as algas que cobriam as rochas perto de mim. Senti o toque de uma carícia, como há muito não sentia. Tudo me pareceu como sempre foi, mesmo antes de tudo o ser.
-Não precisarás guardar mais esse oceano dentro de ti – insistiu a onda, envolvendo-me agora num abraço comovido, como nunca antes tinha sentido.
Continuei sem me mexer, sabia que nada podia fazer. Fechei os olhos por momentos, sentindo que nada podia deter aquele gotejar de mim próprio, como o caminhar de um rio que sabe pertencer ao próprio mar.
Por fim, já afastando-se, a onda disse:
-Tu e eu somos feitos do mesmo oceano, o mesmo ondular. És o tudo e o nada onde tudo pode ser, onde tudo pode existir.
Deixei de sentir o pesar e o vazio, dilui-me naquele sentimento apaziguado de liberdade. Senti-me mar e fogo, luz e sombra, tempo e espaço.
A onda recuou finalmente, sorrindo, enquanto mergulhava em si própria. Senti como se mergulhássemos juntos num oceano sem fundo nem superfície.
Guardei a certeza da nudez daquele lamentar, não precisaria mais daquelas lágrimas, deitei-as todas ao mar.
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